Mais de quatro milhões de brasileiros tiveram chamadas telefónicas ouvidas e gravadas pela polícia no ano passado, de acordo com números fornecidos a uma comissão de inquérito da Câmara dos Deputados, em Brasília, que apura escutas no país.
Este número astronómico de cidadãos, cuja privacidade foi invadida, representa apenas o universo das escutas feitas legalmente, após autorização judicial, não incluindo as que são realizadas clandestinamente, sem tal autorização, e que, embora sem números exactos, se supõe constituírem um outro universo também assustadoramente grande.
O número de quatro milhões de pessoas cujas conversas foram em algum momento ouvidas por autoridades policiais resulta da multiplicação por dez do número de escutas efectuadas em 2007 com autorização judicial.
No ano passado, juízes de todo o Brasil autorizaram as várias instâncias da polícia a efectuar 409 mil escutas a suspeitos. Ora, segundo cálculo feito por especialistas, em média, uma pessoa fala rotineiramente ao telefone pelo menos com outras dez do seu círculo de relacionamento pessoal ou profissional. Assim sendo, mais de quatro milhões de brasileiros viram a sua privacidade invadida, muitos dos quais – provavelmente a maioria – não eram suspeitos de crime algum, mas que tiveram mesmo assim as suas conversas gravadas, por terem, em algum momento, ligado ou recebido telefonema de uma pessoa investigada.
Segundo a lei 9296 de 1996, as escutas deveriam ser um recurso extremo, mas banalizaram-se.
Instrumento vital na elucidação de crimes comuns e de corrupção, a sescutas também se tem prestado a usos criminosos. No mês passado, vários polícias de S. Paulo foram presos por usarem informações comprometedoras retiradas de escutas legais para extorquirem grandes criminosos.
SOLTAS
JUSTIÇA ESTUDA LEI
O Ministério da Justiça está a estudar uma nova lei, que indique claramente quais os crimes em que uma escuta pode ser usada.
SÃO PAULO RESPEITA
Um dos poucos estados do Brasil onde a escuta é usada com mais respeito às normas que a regem é São Paulo, que responde por menos de 10% do total de escutas .
TRAFICANTE APANHADO
Não fosse uma escuta, o megatraficante colombiano Juan Carlos Ramirez Abadia teria passado por um pacato cidadão enquanto esteve em território brasileiro.